sexta-feira, 5 de julho de 2013

"Culpar o aluno é injusto"

Abaixo transcrevo parte da entrevista com o professor "Deivis Dutra Pothin" , reportagem publicada no Jornal Pioneiro de Caxias do Sul  do dia 22/10/2012 onde o que enviou seu diploma para avaliação do governo Britânico e  conseguiu o visto e o trabalho em uma escola  inglesa.
Leitura interessante!

O professor brasileiro Deivis Dutra Pothin descobriu uma nova e desafiadora realidade
educacional quando decidiu se mudar para Londres em 2004. Graduado em Letras Português/Inglês pela Unisinos em 2003, foi buscar aperfeiçoamento na Inglaterra e conquistou espaço como professor na St Luke’s CE Primary School.
Aos 32 anos, cursando doutorado em Educação na Universidade de Londres, ele acredita que o professor precisa se adaptar aos diferentes perfis dos alunos e aconselha o Brasil a focar na qualidade. Confira trechos da entrevista concedida por e-mail:

Zero Hora: No Brasil, a carreira de professor tem sofrido uma desvalorização, incluindo questões salariais e também de valorização social. É diferente na Inglaterra?
Deivis Dutra Pothin: A carreira de professor na Inglaterra é, sem dúvida, mais valorizada se comparada com o Brasil. Existe um plano de carreira bem estruturado, com salários iniciais relativamente atraentes, um plano de previdência complementar compensador e escolas com excelentes recursos pedagógicos. A progressão salarial e de carreira depende do desempenho do professor. Cada vez mais o governo tem tentado atrair formandos das melhores universidades para carreira do magistério. Eles recebem bolsa de estudo e auxílio-manutenção e, depois de formados, aqueles que estiverem dispostos a lecionar matérias com falta de professores recebem um bônus.

ZH: Qual o maior desafio para os professores ingleses atualmente?
Pothin: Devido à recessão, os salários estão congelados há cerca de dois anos, a contribuição para a previdência social complementar aumentou, e o governo quer aumentar a idade de aposentadoria de 65 para 68 anos. Outra questão tem sido a sobrecarga de trabalho e o monitoramento constante por parte do departamento de educação. Escolas com baixo desempenho são monitoradas minuciosamente pelo órgão fiscalizador. Apesar de o objetivo de tais inspeções ser positivo, elas sobrecarregam não apenas o professor mas também a liderança da escola.

ZH: A disciplina, ou a falta dela, chega a ser um problema?
Pothin: A indisciplina é uma realidade principalmente nas escolas de ensino médio. O ministério da educação tem tomado algumas medidas dando mais autoridade aos professores e diretores. Por exemplo, professores podem vistoriar mochilas e outros pertences sem autorização do aluno ou dos pais caso suspeitem que haja drogas, armas ou álcool. Se necessário, professores também podem fazer uso de contato físico, caso o aluno esteja colocando outros ou a si mesmo em perigo. No entanto, a indisciplina, na minha opinião, é apenas um sintoma de que algo não vai bem na escola.

ZH: Depois de conhecer o sistema britânico de ensino, houve alguma mudança na sua percepção da situação educacional brasileira?
Pothin: Uma das primeiras coisas que aprendi logo que comecei a lecionar aqui é que culpar o aluno pelo insucesso é falta de profissionalismo e injusto. A mentalidade aqui na Inglaterra é de que é responsabilidade do professor preparar aulas que sejam interessantes, que desafiem os alunos e que promovam aprendizado. Outra mudança marcante na minha percepção da situação educacional brasileira é a falta de preparo do professor e de muitos coordenadores pedagógicos em promover aprendizado de todos os alunos. Sabe-se que ainda é prática comum em muitas salas de aula brasileiras a cópia ou passar a mesma matéria e atividade para todos os alunos. Isso gera uma série de problemas: ao planejar a aula apenas para o aluno mediano, os alunos com mais dificuldades provavelmente não conseguirão acessar os objetivos, enquanto aos mais hábeis sobra desmotivação pela falta de desafios. E a terceira questão que aprendi é a importância da qualidade da liderança no sucesso de todos na escola. No Brasil, apesar da dedicação de muitos diretores, vice-diretores, supervisores e coordenadores, muitos ainda não têm o preparo técnico necessário para gerir uma escola.

ZH: O nível de exigência é mais alto do que no Brasil?
Pothin: Como nas escolas do Reino Unido os alunos passam automaticamente para a série seguinte no final do ano letivo, cabe ao professor diferenciar o conteúdo e as estratégias para que todos avancem. Isso pode ser muito complicado para o professor inexperiente. Digamos que, por exemplo, a turma esteja aprendendo a escrever um conto. Ao planejar as aulas, o professor deve organizar atividades que permitam ao aluno com mais dificuldade escrever uma narrativa com uma estrutura mais simples, enquanto que aos mais hábeis uma narrativa com estrutura e linguagem mais complexas. No entanto, todos os alunos estarão aprendendo a escrever um conto, mas em estágios diferentes.

ZH: As diferenças sociais e econômicas dos estudantes aparecem?
Pothin: Nas grandes cidades, e especialmente em Londres, muitas escolas recebem alunos de famílias muito carentes. No entanto, uma escola de qualidade não vê essa dificuldade como empecilho mas como um desafio, oferecendo a essas crianças um espaço seguro para que elas se desenvolvam, aprendam e se socializem. Acho que essa é a grande lição para a educação brasileira: investir em qualidade, promover aprendizado para todos e não aceitar que a situação socioeconômica dos alunos limite o potencial de cada um.

ÂNGELA RAVAZZOLO